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Bioética
Definição de Bioética:
Termo de recente criação (E.U.A., anos 60) e usado ora com o significado amplo sugerido pela etimologia – área das questões éticas relacionadas com a vida -, ora em sentidos mais restritos, como o das aplicações da biologia e da medicina à vida humana. Para designar este último sentido, alguns autores (sobretudo europeus) usam o termo ética biomédica. Os avanços científico-técnicos verificados desde há várias décadas – muito especialmente no domínio da genética e da fetologia – têm ampliado notavelmente o campo da bioética. Com a finalidade de estudar as complexas e vitais questões que a bioética suscita e para encontrar linhas de actuação verdadeiramente humanizantes, têm-se vindo a criar em diversos países centros ou institutos de bioética, como o Institute of Society, Ethics and Life Science (1969, mais conhecido por Hastings Center – New York), o Center of Bioethics do Instituto Kennedy (1971, Universidade de Georgetown), o Centre d´Études de Bio-Éthique, da Universidade de Lovaina (Bélgica), os centros de San Cugat (Barcelona) ou de Sèveres (Paris), etc. também se vão multiplicando as diligências que visam colmatar o vazio jurídico existente na matéria e criar instâncias regulamentadoras da investigação e da aplicação das novas técnicas. Tal é o caso do Comité Consultatif National d`Éthique pour les Sciences de la Vie et de la Santé, criando em França em 1983, para «emitir pareceres sobre os problemas morais suscitados pela investigação nos domínios da biologia, da medicina e da saúde». Por seu lado, o Conselho da Europa promoveu a redacção, por uma comissão interdisciplinar de peritos, de recomendações aos Estados membros quanto à legislação a adoptar no campo da bioética.
Fonte Utilizada: AAVV (1989). Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa: Verbo.
Introdução Histórica
O ser humano tem sido encarado de diferentes formas ao longo dos séculos. Com efeito, o que agora consideramos bárbaro, como o trabalho escravo ou in extremis como os reis que se divertiam a fazer tiro ao alvo sobre os marinheiros da varanda do seu palácio, tudo isto era de uso corrente, algo perfeitamente normal, a vida era provida de um sentido plural, pessoas mais e menos dispensáveis. Escandaliza-nos pensar assim e, desta forma, no século XX, com a redefinição de estatuto de Homem, passámos a preocupar-nos cada vez mais com esses respeitos, assim, surgiu a Bioética como forma de mediar e frear os frenéticos impulsos científicos, aqueles a que só o avanço da ciência importa.
De facto, em pleno século XX, a Humanidade presenciou casos verdadeiramente chocantes, ligados principalmente a eventos belicistas. Na Primeira Grande Guerra, o físico e Nobel alemão Fritz Haber estudou processos de, através da sua síntese de amoníaco, criar bombas de gás, que chegou mesmo a utilizar matando milhares de soldados. Já na Segunda Grande Guerra, os eventos foram muito mais grotescos, os médicos nazis recrutados para os campos de concentração dispunham de total liberdade para manipular o corpo dos reclusos a seu bel-prazer: amputações, enxertos, novas técnicas operatórias. É inegável o contributo destes médicos, que receberam posteriormente o epíteto designativo de “malditos”, todavia, a dúvida perpetua-se: valerá a pena manchar a ciência com o sangue dos inocentes? Quanto a nós, a velha máxima megalómana de que os fins justificam os meios soa cada vez mais a hipocrisia.
Indubitavelmente, a Bioética constitui um instrumento cada vez mais válido na delimitação das fronteiras do saber, fronteiras essas que caberá ao Homem o bom senso de não ultrapassar.
Bioética no âmbito da Ciência Actual No panorama científico actual a bioética surge como uma sub-disciplina fundamental na regulamentação de qualquer estudo ou pesquisa. Assim, foi no decorrer dos anos 90 com a grande explosão tecnológica que proporcionou aos cientistas meios muito mais eficazes para levar a cabo o seu trabalho, que a bioética veio a hasta-pública. Surgiram então os grandes temas de debate que agora abordaremos.
Manipulação Genética- Consequências Imprevisíveis
Sendo a manipulação genética humana uma actividade demasiado recente é natural que suscite desconfiança, que nos leve a perguntar: até que ponto o Homem conhece as técnicas que usa? Esta é, de facto, uma questão lícita e podemos apoiá-la com o argumento de que uma técnica com possíveis implicações nefastas para o ser humano estar a ser utilizada relativamente “às escuras”: quem nos garante que o lado negro da selecção genética só nos seja revelado nas futuras gerações? Até que ponto o Homem-Mãe-Natureza pode modificar este caos que esconde a vida e um padrão que ainda não somos capazes de decifrar?
Estamos então na idade média da manipulação genética e os cientistas são os actuais cruzados.
- Integridade Biológica
No tema “integridade biológica” a grande questão que se levanta é: teremos o direito de alterar o património genético que foi transmitido de geração em geração? E prende-se com questões culturais, religiosas e éticas. Desta forma mexe com aquilo que de mais íntimo há em cada qual. Lidamos portanto com um grande tabu que aos poucos se tem vindo a desvanecer em grande parte devido à acção catalisadora de consciências empreendida pela ciência. Como tal, actualmente a maioria das pessoas reconhece ser aceitável a manipulação de genes em casos de perigo para a vida do feto e de tratamento de doenças que possam surgir numa fase ulterior da vida do recém-nascido.
- O Negócio da Vida
Algo verdadeiramente preocupante é aquilo a que chamamos o negócio da vida, ou seja, a forma como os grandes laboratórios lucram com a manipulação genética, similarmente ao que se verifica em África com exploração da miséria alheia por parte das farmacêuticas. Os laboratórios que lidam com os genes encaixam somas astronómicas de dinheiro nas operações realizadas. Podemos por isso afirmar que a vida e a sua manutenção é cada vez mais um negócio lucrativo, um novo ovo de Colombo.
Posição Científica
As objecções anteriormente exploradas são refutadas pelos defensores destes procedimentos – os cientistas, avançando com duas razões fundamentais: em primeiro lugar na natureza dos organismos nada é estático, é uma realidade, embora não tenhamos a perspectiva suficiente para a observar. Não faz pois sentido falar da integridade de uma coisa que não existe. Por último, os engenheiros genéticos quando manipulam geneticamente os organismos não manifestam falta de respeito pelos mesmos. A sua perspectiva é outra. A vida para eles não passa de um conjunto de reacções químicas, um gene fora do seu contexto não é mais do que uma molécula. Concluindo: os engenheiros genéticos não trabalham com seres, mas apenas com reacções químicas, moléculas, sistemas mecânicos sofisticados, etc. O seu trabalho consiste em operar laboratorialmente com estes elementos.
Este argumento, baseado na suposta neutralidade da actividade científica, foi há muito refutado pela evidência dos factos. A partir do século XX, muitos cientistas passaram a colaborar activamente na produção de armas de destruição maciça. Nem sempre os cientistas buscam o bem da Humanidade, frequentemente também se envolvem na procura dos meios de a destruir. Num caso e noutro utilizam os mesmos métodos e rigor científico.
Questões levantadas no campo da Reprodução Medicamente Assistida
A Ciência, desde a sua forma mais rudimentar, sempre assumiu no dia-a-dia do ser humano um papel de relevo, mais ainda quando começou a contribuir de forma decisiva para um melhoramento da sua qualidade de vida e para a resolução de problemas biológicos impostos pela sua natureza. No entanto, e à medida que a ciência progride a uma velocidade vertiginosa, quase assustadora, é-nos impossível não nos questionarmos sobre Limites. Até onde podemos ir, afinal, nesta questão?
A história da inseminação artificial, assim como da clonagem, temas insistentemente abordados nos dias de hoje, tem séculos de existência e dela constam momentos verdadeiramente marcantes…
As primeiras formas de clonagem foram desenvolvidas para a reprodução de plantas. Consistiam no plantio de um talo (ou ramo) retirado de um vegetal, obtendo-se uma nova planta geneticamente igual à anterior. Trata-se da popular enxertia.
Outros marcos históricos:- No campo da reprodução medicamente assistida, as experiências de inseminação artificial possuem uma história longa, história essa que teve início em 1971 quando o médico inglês Jonh Hunter afirmou ter realizado essa experiência entre marido e mulher. No entanto, só em 1799 foi relatada com credibilidade a primeira gravidez resultante desta técnica;
- A primeira fecundação in vitro animal remonta a 1878;
- A primeira sugestão de uma clonagem idêntica à realizada para o nascimento da ovelha Dolly, data de 1938 e foi feita pelo cientista Hans Spemann que recebeu o Nobel de Fisiologia-Medicina pelas suas investigações sobre a evolução dos seres vivos;
- O primeiro bebé-proveta data de 1978.
No início da década de 90 do século XX, os médicos faziam já todo o tipo de experiências em termos de inseminação artificial: mulheres virgens ou na menopausa davam à luz crianças... Algo impensável poucos anos antes.
- Em 1996 deu-se um acontecimento que abalou o mundo científico: Os investigadores do Roslin Institut de Edimburgo, realizaram uma notável façanha laboratorial: a fusão do núcleo de uma célula retirada da glândula mamária de uma ovelha de 6 anos com o óvulo de outra ovelha. Surgia desta forma o embrião da célebre Dolly.
Entretanto continuaram as inseminações bizarras: sémen congelado de pessoas falecidas que fecundam óvulos de pessoas vivas, avós que dão à luz os seus próprios netos... Marcos históricos que nos transmitem a ideia de que, de facto, é muito ténue a linha que separa o que é eticamente aceitável do que é eticamente condenável. No campo da reprodução medicamente assistida muitas são as questões levantadas, das quais fornecemos agora alguns exemplos:
a) É legítimo manipular formas de vida humana ainda que estas não tenham nascido?
b) Deve realizar-se uma fecundação estritamente "artificial" quando a natureza não o permitiu?
c) No caso de uma inseminação com esperma de um dador anónimo: o dador não tem nenhuma responsabilidade sobre o seu filho genético? Não tem o direito de reclamar os seus direitos de paternidade?
d) Um filho não tem o direito de saber quem é o seu pai e herdar do seu progenitor?
e) É legitimo que uma mulher leve dentro da sua barriga o filho de outras pessoas? Tem o direito que o ter quando o filho não é seu?
f) Que pensar quando os embriões congelados são destruídos após a fecundação? Não se está a destruir um potencial ser humano? O que se deve fazer com os que ficam congelados?
g) É legitimo fazer experiências com embriões humanos?
Uma coisa é certa: nenhuma decisão, a este nível, deverá ser tomada de ânimo leve ou tendo apenas em conta uma única perspectiva sobre o problema.
Bioética no Futuro
Reflectir sobre…
A validade da criação de uma Humanidade pré-determinada cientificamente.
Nos dias que correm assistimos na nossa sociedade a vários casos de pessoas realizadas que atingem o sucesso a vários níveis (pessoal, profissional, …), entre outras coisas que cada vez mais se tornam supérfluas, pelo facto de serem detentoras de características físicas que segundos os cânones actuais funcionam como modelo de perfeição. Desta forma, pessoas que simbolizem verdadeiros estereótipos do que é perfeito têm bastante mais facilidade em vencer. Tendo por base esta realidade, o Homem, único ser dotado de razão, que decide fazer? Decide, por meio da Ciência, manipular formas de vida que não possuem as referidas características vantajosas de forma a perdurarem apenas aquelas que se encaixam no que é actualmente aceite como belo. É certo que a manipulação genética pode analisar-se sob um prisma totalmente positivo, na nossa opinião, isto se for aplicada ao diagnóstico terapêutico de doenças. No entanto, aqui falamos de uma outra realidade, de um cenário um pouco futurista mas que não se encontrará tão longe como muitos ainda pensarão ignorantemente. Se não soubermos controlar a nossa ambição acreditamos que será corrente, como já referi, num futuro próximo, depararmo-nos com pessoas de características bastante similares, e as questões que se colocam são: terão os humanos actuais direitos para alterar uma herança biológica que herdaram indo inevitavelmente modificá-la ou destrui-la? Será válida a criação de uma “super espécie” procedendo-se a uma enormíssima discriminação baseada na perfeição genética? E por último, mas não menos importante, até que ponto conhece o Homem o poder das técnicas que usa? A resposta a estas perguntas dependerá da consciência moral de cada um. Os cientistas, por exemplo, como já foi referido nesta abordagem à bioética, consideram simplesmente que lidam com elementos e reacções químicas não existindo nada de eticamente reprovável nessa atitude… mas será? Fica o convite à reflexão…
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